terça-feira, 4 de novembro de 2008

VICENTE

Quando eu estagiei na siderurgia, tive a oportunidade de conhecer o Vicente, supervisor da manutenção elétrica.
Vicente já tinha alguns anos na siderúrgica, e participou da implementação da fábrica de oxigênio com câmara fria. Acompanhou a construção e montagem, recebeu treinamento de como o circuito elétrico funcionava e se tornou detentor do livro de circuitos elétricos e eletrônicos da planta. 
Era considerada a pessoa mais capacitada da gerência. Todo e qualquer problema era descoberto e consertado pelo Vicente, fosse de dia, de noite ou fim de semana. Uma sumidade.
Entretanto comecei a perceber que o famoso livro de circuitos ficava só com o Vicente. Às vezes no plantão, a equipe de prontidão tentava sanar algum pequeno problema, mas a custa de desenhos rabiscados pelos eletricistas da manutenção. E se o problema não fosse muito simples, tinham que chamar o Vicente.
Vicente era dono daquele equipamento. E somente desse equipamento. 
Algumas vezes a gerência tinha o convidado para fazer outros treinamentos de eletrônica, instrumentação ou de gerência. Vicente, ou cautelosamente declinava, ou participava superficialmente, estando sempre a postos para qualquer solicitação de esclarecimento ou comparecimento para resolver algum problema na fábrica de oxigênio. 
Para alguns oficiais novatos da manutenção elétrica, confidenciava que não podia se dedicar a outras prioridades senão a fábrica de oxigênio iria parar de funcionar. Mas as pessoas começaram a perceber que na realidade ele não queria perder o status de assumidade da fabrica de oxigênio.
Vicente dormia sobre esse seu conhecimento. Tivera a sorte de receber estas informações e não iriam tirar dele. Era um direito seu. Dedicara toda a sua vida profissional a esses circuitos da fábrica de oxigênio. Era seu filho, e só seu.
Um dia Vicente chegou na Usina e se deparou com uma equipe de um construtor de fábrica de oxigênio. A siderurgia precisava de mais oxigênio e a fábrica existente já estava no seu limite máximo. 
A equipe estava instalando uma nova fábrica de oxigênio, mas agora utilizando peneira molecular. A fábrica de oxigênio com câmara fria estava obsoleta.
Vicente teve que pedir aposentadoria. Os eletricistas da manutenção eram os que conseguiram entender a nova tecnologia.
O erro do Vicente foi se apegar aquilo que tinha conseguido. Não percebeu que o que tinha inicialmente era a sua capacidade de aprender e de resolver problemas. O manual de circuitos elétricos, protegido e defendido com tanto afinco não era seu maior valor.
Vicente ficou cego com o poder da informação recebida. Não viu que o que importava era a atitude e não a informação.
Com quantos “Vicentes” nós nos deparamos, cegos com a riqueza, com o poder, com a beleza, com a fama? “Vicentes” que não vêm que essas dádivas são ferramentas para continuarem a crescer. Amarram-se às coisas e param no meio do caminho da evolução.
Dinheiro, poder, beleza, fama são ferramentas para tornar o mundo melhor. Para os seres participarem como co-criadores do universo de Deus.
De que serve um Vicente parado no caminho se o universo está em constante mudança? Quem será chamado para dar continuidade a essa evolução. Vicente ou os eletricistas da manutenção?
Talvez Vicente consiga vaga na escola de informática que a associação de aposentados montou.
Talvez, se Vicente esquecer a raiva e se prontificar a mudar.

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